Zero Hora, 4 De Fevereiro De 2002


Entrevista: Mariam Rawi, representante da Rawa

“Com burka ou sem burka, as mulheres estão privadas de direitos”



LUIZ ANTÔNIO ARAUJO


A professora afegã Mariam Rawi, 27 anos, vive há 18 anos no exílio. Seu pai juntou-se à resistência contra o exército soviético, que invadiu o Afeganistão em 1979, e foi morto em 1982. Mariam e a família – a mãe, a avó e quatro irmãs – deixaram Cabul e buscaram abrigo no Paquistão. Nesse país, Mariam formou-se numa escola da Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão (Rawa, sigla em inglês), grupo feminista fundado em 1977. Convidada pela rede feminista Articulação Marcosur para o 2º Fórum Social Mundial, ela chegou ontem a Porto Alegre, onde comandou uma oficina e fez uma palestra. Antes, concedeu entrevista a Zero Hora. Fez uma única exigência: a de ser fotografada de forma que seus traços não pudessem ser identificados. As integrantes da Rawa costumam ser atacadas por grupos fundamentalistas no Paquistão e evitam revelar suas identidades.

Zero Hora – Qual é o significado da queda do Talibã para o povo afegão?

Mariam Rawi – A queda do Talibã foi uma mudança positiva, mas não a grande mudança. Os grupos fundamentalistas e os líderes criminosos estão outra vez no poder. Alguns podem ser da nova geração, mas a maior parte é da velha geração. Eles mataram milhares de pessoas, destruíram 90% de Cabul e demoliram museus e escolas. Estupros, assassinatos, seqüestros, invasões de casas e destruição aconteceram antes do Talibã, sob o Talibã e continuam acontecendo. O período de 1992 a 1996, antes do Talibã, quando a Aliança do Norte estava no poder, foi um dos mais obscurantistas de nossa História. Infelizmente, a comunidade internacional e a mídia ocidental esqueceram esses quatro anos.

ZH – Qual é a situação atual do Afeganistão?

Rawi – O Afeganistão está outra vez dividido, e há luta entre facções fundamentalistas, apoiadas por países como Paquistão, França e Estados Unidos. Todos estão interessados na região. As Nações Unidas informaram que não podemos desenvolver programas no Afeganistão por razões de segurança. De acordo com fontes da Agence France Presse (AFP), as pessoas têm uma lembrança positiva do Talibã, porque pelo menos tinham segurança pessoal. Hoje, muitos dormem com armas sob as camas, por medo.

ZH – Após a queda do Talibã, o mundo viu imagens de afegãs tirando burkas e voltando à escola. Não é uma mudança significativa?

Rawi – Estamos presentes no Afeganistão e vemos que as mulheres não estão prontas para tirar as burkas. Se poucas mulheres fazem isso, não é importante. A maioria está com medo de grupos militares, em razão dos freqüentes estupros, seqüestros e casamentos forçados. Elas se sentem inseguras. Não querem deixar suas casas para ir à escola. Não é tão importante se as mulheres vestem burka ou não. O problema das mulheres do Afeganistão não é vestir burka. O problema é a condição social sob o poder dos fundamentalistas. Com burka ou sem burka, as mulheres estão privadas de direitos.

ZH – Que mudanças ainda precisam ocorrer no Afeganistão?

Rawi – Lutamos contra o fundamentalismo. Esse é o grande inimigo de nossos homens e, especialmente, de nossas mulheres. Lutamos por um governo democrático. A democracia é a única forma de salvar a vida do povo e assegurar direitos às mulheres. Lutamos também por educação e por assistência à saúde da mulher.

ZH – Quais são os objetivos da Rawa?

Rawi – Fomos o primeiro grupo político independente a lutar pelos direitos das mulheres. Com a invasão soviética, mudamos nosso objetivo, porque acreditávamos que, sem independência, não teríamos democracia nem mudanças. Começamos a lutar contra os soviéticos e continuamos a lutar contra o fundamentalismo. Promovemos manifestações, encontros, edição de publicações e de um site na Internet. Temos programas sociais para mulheres, organizamos aulas e cursos.







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