Sunday Times Magazine (UK), Agosto 5, 2001


Um dia na vida de Zoya

Zoya, 23 anos, é um membro ativo da RAWA (sigla em inglês que significa, Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão). Ela opera clandestinamente no Afeganistão, cujas regras são impostas pelo duro regime do Taliban.





© Nick Cornish

Quando eu estou em missão secreta em partes remotas do Afeganistão, eu acordo as 7 horas as manhã ou mais cedo. Tomo somente uma xícara de chá preto sem açúcar, é muito caro aqui. Como uma mulher afegã, eu tenho que usar a "burka", que me cobre completamente. Outra estúpida regra que diz que você não pode usar meias brancas porque é a cor da bandeira nacional. Eu escondo os meus folhetos debaixo da burka.

O Taliban disse que as escolas são uma passagem para o inferno, o primeiro passo em direção a prostituição. Desde 1992, escolas e universidades tem parado de funcionar. O Taliban é um grupo de criminosos ignorantes, mesmo os líderes não sabem sequer escrever os seus próprios nomes.

A RAWA foi fundada para promover a igualdade entro os sexos através da educação, assistência médica e a consciência pública. O Taliban diz que as mulheres tem cérebros menores que os dos homens. Nós encorajamos pessoas para aprender a ler e a escrever. Mas nossos professores tem ensinado secretamente as lições nas salas instaladas em casas; nós temos uma cópia do Alcorão na mesa e se o Taliban chegar imediatamente escondemos os livros. Então dissemos que estamos estudando o Alcorão.

Eu fui ver uma mulher cuja filha foi raptada. Ela me disse que estava realmente lutando pelos direitos das mulheres, eu deveria Ter dado a ela uma arma, ela poderia ter encontrado uma quando na estava no local onde ficava o comando armado que raptou a sua filha. Eu tentei ajuda-la de diversas maneiras mas ela se recusava a falar comigo.

Passear não é fácil; sob o regime do Taliban, as mulheres não são permitidas de ir as compras sozinhas sem levar consigo um homem ou pelo menos o seu filho mais velho. As meninas não tem escolha com quem vão se casar. Eu conheço uma menina, Nahid, que preferiu se jogar do quinto andar de um edifício a casar com um homem que lhe foi imposta.

Há muito tempo estou tentando conseguir visitas médicas para a nossa equipe de médicos e enfermeiras. As mulheres não podem ser tocadas por médicos do sexo masculino. O Taliban prefere deixar sua próprias mulheres morrerem que deixa-las sobreviver e depois ir para o inferno.

Tem poucos médicos e nenhum médico novo esta sendo treinado, então as mulheres morrem. A nossa equipe de médicos não pode usar ambulâncias, eles precisam usar carros comuns, nós temos 13 equipes: lá tem usualmente um médico, uma enfermeira, dois farmacêuticos e um guarda-costas. Muitas mulheres morrem durante o parto porque muitos médicos não podem vê-las, elas então vão para um local de curandeiros, que tem experiência mas não tem conhecimento médico. Uma vez vi uma jovem deitada no meio da rua em Kabul, ela queria cometer suicídio, queria se despedir de sua mãe que estava com asma e por um momento havia levantado o burka para respirar mais facilmente, um guarda do Taliban a viu e deu 50 chicotadas na frente de todo mundo, a garota fugiu.

Se eu tiver tempo, eu vou me encontrar com os companheiros de trabalho numa casa segura para um almoço, normalmente comemos feijões ou vegetais. No verão, tem o dogh, que é uma bebida com iogurte, água, limão e sal. Quando me envolvi com a RAWA eu era adolescente, depois de 1990 meus pais foram mortos por uma bomba que destruiu nossa casa durante um ataque em Kabul. Eu tenho aprendido a ser muito cautelosa, eu nunca uso o meu nome verdadeiro, você se acostuma depois de um tempo, e também não sei o nome verdadeiro de muitas pessoas com quem trabalho. Porque se eu for pega, não poderei revelar muito; eu encontrei com 2 mulheres que foram presas e torturadas, todo o tempo em que elas fechavam os olhos para dormir, elas apanhavam. Elas não disseram nada, então estavam aliviadas, mas poderiam Ter sido mortas se discubrissem que eram membros da RAWA. Quando eu me juntei, eu sempre soube dos perigos dia e noite, o perigo esta em todo lugar, mas não sinto medo. Estou pronta para me sacrificar a fazer isso.

Há um toque de recolher, então temos que voltar para casa por volta das seis da tarde. No inverno é muito chato, não posso ler e nem escrever somente com uma vela, então vou dormir mais cedo. Eu não tenho privacidade a anos, eu não tenho tempo nem mesmo para falar quando estou apaixonada por alguém.

Algumas vezes viajo ao exterior para arrecadar fundos, mas é difícil. A Embaixada Britânica no Paquistão disse que nos daria dinheiro se trocassemos o nome "Revolucionária". Nós dissemos que não era vergonha querer mudar o sistema do Taliban.

O que me sustenta é o que tenho visto, e o caminho para os jovens está crescendo. Existe um estádio em Kabul para execuções públicas. Pessoas são chicoteadas ou apedrejadas, tem suas mãos cortadas ou são executadas; é anunciado nas rádios, as lojas tem que fechar e as pessoas são encorajadas a ir para este estádio. Uma vez eu estava lá também, o dia em que as mãos eram cortadas. Eu vi muitas crianças e adolescentes nas arquibancadas rirem, era entretenimento para elas, tentei imaginar sobre o futuro delas, se tornarão criminosas se seguirem este caminho.

Não tenho problemas de insônia, mas algumas vezes penso sobre as coisas que tem acontecido, eu poderia largar tudo e me juntar aos meus parentes nos Estados Unidos, mas seria vergonhoso aceitar o estilo de vida americano. Seria como uma traição, meus parentes nunca admitiram sua origens afegãs. Para mim eles tem cabeças menores que a dos pássaros.

Entrevista com John Follain and Rita Cristofari.
Fotografado por Nick Cornish





De: http://www.sunday-times.co.uk/news/pages/sti/2001/08/05/stimazmaz03001.html




Mulheres afegãs empreendem uma guerra secreta (The Sunday Times, Março 25, 2001)



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